Al-Madan IIª série, n.º 5, Outubro 1996

 

EDITORIAL

 

Quando, em 17 de Novembro de 1979, cerca de uma centena de investigadores e estudantes se reuniram nas Faculdades de Letras e de Ciências do Porto para uma mesa-redonda intitulada “Contribuição das Ciências Naturais e Exactas à Pré-História e à Arqueologia”, formularam três desejos: que as comunicações apresentadas pudessem ser rapidamente editadas e divulgadas; que se desenvolvesse a reflexão multidisciplinar entre a Arqueologia e as outras ciências; que se criassem em Portugal infraestruturas técnicas de suporte à actividade arqueológica, nomeadamente ao nível da prospecção geofísica e de laboratórios de Palinologia e de datação pelo 14C.

Dois anos depois, precisamente há década e meia 1, cumpria-se o primeiro desses votos com a publicação de um conjunto de trabalhos centrados no que então se consideravam as questões “mais urgentes que se levantam à nossa Arqueologia: problemas ligados à prospecção (emprego e interpretação de fotografias aéreas, métodos eléctricos e eléctrico-magnéticos de detecção…), ao estado do meio-ambiente (climas, faunas, floras…), aos métodos de datação, aos contributos da Antropologia física, das análises físicas, das indústrias (petrografia, matalogenia…), aplicações das Matemáticas à Arqueologia, etc.” 2

Quanto aos restantes dois aspectos, a simples lógica do senso comum leva a admitir que a prática científica tenha propiciado naturais desenvolvimentos em disciplinas que, nalguns casos, apenas atravessavam então um estado embrionário, ao mesmo tempo que a observação da bibliografia entretanto produzida torna evidente a gradual construção de objectos e metodologias específicas de novas áreas de produção de conhecimento. Contudo, estas considerações não haviam ainda conduzido a uma tentativa de sistematização semelhante à realizada no Porto.

Foi este o desafio que lançámos a alguns colaboradores de Al-Madan, convidando-os a apresentar o estado da questão quanto às relações entre a Arqueologia e as grandes áreas das restantes Ciências Sociais e Humanas, das Ciências da Terra e da Natureza, da Arqueometria, da Estatística… O resultado é um caderno especial com um diversificado leque de contribuições que abordam fundamentos, objectivos e princípios metodológicos de temáticas como as da geoarqueologia, arqueozoologia, malacofauna e paleoecologia, passando pela prospecção geofísica, teledetecção, métodos de datação e caracterização de materiais arqueológicos, para terminar na paleobiologia e nas temáticas da estatística e quantificação.

Sem pretensões de esgotar um tema que não o permite 3, este é apenas mais um contributo para uma reflexão epistemológica que, respeitando a especificidade das áreas de saber, esbata fronteiras disciplinares e crie condições para que “a relação arqueólogo-outro cientista se processe num duplo sentido, com mútua vantagem e eventual criação, em comum, de metodologias e conceitos novos” 4.

De qualquer forma, se a realidade dos recursos humanos e das infraestruturas disponíveis é hoje bem mais satisfatória que em 1979, falta ainda percorrer um longo caminho até que os cada vez mais frequentes contactos entre profissionais de diferente formação se traduzam em relações institucionais estáveis e profícuas, conferindo à Arqueologia o seu verdadeiro estatuto de ciência aglutinadora de variadas valências, área por excelência adequada ao estudo do Homem como todo complexo e multifacetado, no plano da cultura material que produziu, das formas de organização social que praticou, das construções simbólicas e das representações que criou.

 

Jorge Raposo [in p. 4]

 

1 Ver Arqueologia (1981), n.º 4, Porto: Grupo de Estudos Arqueológicos do Porto.

2 Roche, Jean, “Apresentação”, in ob. cit.: 2.

3 A propósito de uma área aqui não explorada, veja-se o exemplo recente do excelente diálogo que o Prof. Jorge de Alarcão estabelece entre a teoria arqueológica e os paradigmas mais comuns à História, à Antropologia e à Sociologia – “A Arqueologia e o Tempo” (1995), in Conimbriga, 32-33 (1993-1994): 9-56.

4 Jorge, Vítor Oliveira, “O Que Pedem os Arqueólogos aos Outros Cientistas?”, in Arqueologia (1981), n.º 4: 5.

 

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