Al-Madan 2ª série, n.º 4, Outubro 1995

 

EDITORIAL

 

Para uma revista com as características de Al-Madan, seria impossível (e imperdoável!) passar à margem da polémica gerada pela barragem em construção no vale do rio Côa, obra que, ao colidir frontalmente com um riquíssimo património arqueológico, despertou a opinião pública portuguesa, de uma forma nunca antes atingida, para o debate em torno da valoração a atribuir aos vestígios de um passado mais ou menos remoto, quando no outro prato da balança se coloca o aparente bem estar e a riqueza do presente e do futuro. Praticamente não houve quem não tomasse partido, pelo betão ou pela arte rupestre, com posições por vezes extremadas (mas nem sempre reflectidas), tendo como pano de fundo a total inoperância dos responsáveis pela política cultural perante uma actuação decidida e agressiva da EDP e do Ministério da Indústria e Energia, a qual chegou a assumir as características de uma manipulação colectiva que culminou no episódio das “datações directas”, cobertura pseudo-científica para uma tentativa de desvalorização do achado que, foi, desde sempre, o ponto fulcral da estratégia da empresa e do referido ministério.

Contudo, a “incultura”, para usar a expressão de alguns colaboradores desta edição, de empreendedores privados ou dos poderes públicos (centrais mas também, frequentemente, locais), associada à incúria ou, simplesmente, à ausência de um modelo de desenvolvimento capaz de ver além do horizonte da rentabilidade imediata, fazem com que o caso do Côa não seja único. Ignorados porque não mediatizados, centenas se não milhares de sítios arqueológicos, imóveis ou outros elementos arquitectónicos ou etnográficos, são afectados por obras que, independentemente da importância de que se revistam, os ignoram completamente, promovendo destruições ou amputações por vezes criminosas, que podiam em muitos casos ser minimizadas ou mesmo evitadas. Sem esquecer o carácter excepcional dos achados do Côa, importava pois alargar o âmbito deste tipo de discussão.

Por isso nos propusemos investigar mais de perto o processo de Avaliação de Impacte Ambiental. Resultado de imposição comunitária, a actual legislação portuguesa sobre esta matéria foi desde sempre contestada pelos ambientalistas mas deu origem a uma prática que, salvo algumas abordagens pontuais, nunca fora observada na perspectiva das suas incidências no Património Cultural – para tal houve que desencadear um inquérito que envolveu cerca de duas centenas de pequenas e grandes obras, com o objectivo de clarificar aspectos que vão das características e condições de execução dos Estudos de Impacte Ambiental, até à forma como estes são avaliados e fundamentadas as decisões de licenciamento.

Os resultados estão à vista no dossiê central, parecendo tornar ainda mais sombrios os contornos de uma realidade que se antevia alarmante, ilustrada por tristes exemplos que todos conhecemos, como o recentemente sucedido na pedreira da Ribeira do Cavalo (ver pp. 175-177). Mas pensamos que eles vêm também demonstrar o que diversos dos nossos colaboradores sugerem nesta edição: a urgência de definição de uma política cultural coerente, assente numa discussão participada que produza reflexos ao nível legislativo e, consequentemente, na prática quotidiana de todos quantos actuam sobre o nosso território.

Aos arqueólogos e outros investigadores sociais compete lutar por um papel mais interventor em todo este processo, o que só conseguirão dignificando socialmente a sua actividade, com profissionalismo e uma conduta ética e deontológica que inspire o respeito dos seus concidadãos.

 

Jorge Raposo [in p. 4]

 

Como os nossos leitores terão reparado, o aumento generalizado dos custos de produção obrigou à alteração do preço de capa de Al-Madan, uma subida inferior a 17 % que, no entanto, é compensada por acréscimo quase igual no número de páginas (que passaram de 162 para 186 nesta edição, facto só possível pela assinalável melhoria do volume de vendas e pela manutenção de um conjunto de apoios que muito nos apraz registar).

Cremos que permanece assim inalterada a relação entre a quantidade (e qualidade) da informação e o custo a que esta é disponibilizada, esperando que a mesma corresponda à expectativa crítica de um público diversificado e atento às temáticas da Arqueologia, Património e História local.

 

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