Al-Madan Online 2.ª série, n.º 27, Tomo 2, Julho 2024

 

EDITORIAL

 

No ano em que celebramos os 50 anos do 25 de Abril de 1974, é da mais elementar justiça destacar nesta edição da Al-Madan Online um trabalho que toma essa data fundadora da Democracia portuguesa como objecto de estudo arqueológico. De facto, cinco décadas passadas proporcionam o distanciamento natural em quem, como sucede com os autores, já nasceu após esse evento radicalmente transformador, olhando-o através de elementos da cultura material fixada nas reportagens fotográficas da época. São verdadeiros símbolos da improvável simbiose entre um golpe militar e o fortíssimo movimento social que este espoletou: os cravos colocados nas armas dos soldados, os chaimites que participaram nas operações militares, as faixas com múltiplas mensagens usadas nas manifestações, os megafones que ampliaram a capacidade comunicação e de mobilização nesses eventos de rua... Numa época em que as câmaras fotográficas eram raras, mas felizmente estavam em mãos que as souberam usar sabiamente, foram gravadas imagens que retratam o ambiente então vivido no principal teatro de operações, a cidade de Lisboa. E espelham o que os autores muito bem intuem ao observá-las a esta distância temporal: a total adesão à mudança e a alegria contagiante de quem então também fez História nas ruas da capital.

Portugal e os(as) portugueses(as) mudaram muito desde então. Consolidaram-se direitos e liberdades individuais e de grupo que diversificaram e enriqueceram a vida social, económica, cultural, científica... finalmente liberta do controlo opressivo e repressivo do que se pensava, exprimia e fazia. Olhando para trás, o nosso país é hoje o exemplo claro de que “o passado é um país estrangeiro”, frase do contista britânico Leslie Hartley (1953), popularizada na literatura das Ciências Sociais através do americano David Lowenthal (The Past is a Foreign Country, 1985). O Portugal das décadas anteriores ao 25 de Abril de 1974 que as câmaras fotográficas registaram (e também as memórias de quem ainda as viveu) é tão diferente que sugere claramente um país estrangeiro. Alguns acreditam mesmo que essa sensação é real, negam a cruel brutalidade das imagens (e das memórias) e promovem o saudosismo de um tempo que não viveram. É um erro que justifica o empenho da “Arqueologia contemporânea e activista” em que os autores do artigo que publicamos se auto-incluem, mas também estimula o activismo de quem não deseja uma reciclagem desse passado para as gerações presentes e vindouras.

Este tomo da Al-Madan Online vai, contudo, muito para lá do activismo. Crónicas, textos de opinião e artigos cobrem temáticas e interesses muito diversificados, da Arqueologia à Conservação, ao Património cultural e à História local, passando ainda pela divulgação metodológica e por estudos de natureza documental e epigráfica. Como sempre, espero que proporcionem boas horas de leitura.

 

Jorge Raposo, 20 de Julho de 2024 [in Al-Madan Online, 27 (2): 3]

 

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