Al-Madan Online 2.ª série, n.º 28, Tomo 1, Janeiro 2025
EDITORIAL
A impressionante rapidez a que se diversificam e operacionalizam as aplicações da Inteligência Artificial (IA) incute um amplo leque de sentimentos contraditórios, que vão do deslumbramento e optimismo à preocupação, angústia e mesmo fatalismo.
São já evidentes os avanços obtidos em múltiplas áreas científicas e tecnológicas com impacto concreto e significativo na nossa vida, na forma como interagimos uns com os outros, com a fauna e a flora que connosco partilham este planeta, com a materialidade desse corpo celeste que nos dá abrigo e, até, com o contexto cósmico em que se movem milhões de outros. E é evidente também a gigantesca margem de progresso que se antevê para todos esses campos e outros que nem imaginamos, bem como a brusca e aparentemente imparável aceleração do processo.
No campo das Ciências Sociais e Humanas, nomeadamente em Arqueologia, vão surgindo exemplos de aplicação que são eles próprios, também, exercícios de reflexão e debate, como sucede no artigo que justifica o destaque desta Al-Madan Online. As inegáveis potencialidades e benefícios das tecnologias baseadas em IA abrem vias de investigação fundamental e aplicada inovadoras, e dotam outras de novos recursos para resultados mais rápidos ou objectivos mais ambiciosos; mas também impõem novas questões epistemológicas, metodológicas, éticas, deontológicas..., enquanto geram riscos não despiciendos que importa identificar e, na medida do possível, prevenir e minimizar. Nestes últimos avultam os “delírios” ou “alucinações” característicos desta fase de desenvolvimento da IA, que a levam a tratar toda a base informativa disponível de igual forma, sem mecanismos de avaliação e aferição de qualidade e veracidade, o que resulta em respostas “criativas” e aparentemente coerentes que, contudo, podem ser parcial ou totalmente inventadas e/ou erradas. Acresce que, numa disciplina onde o trabalho de campo e o registo ocupam um lugar central na produção do conhecimento, os perigos da geração de textos e/ou imagens modificadas ou produzidas por IA, de modo a sustentar ou aprimorar “narrativas” preconcebidas e pseudocientíficas, são evidentes e devem preocupar arqueólogos, universidades e entidades de tutela. É uma discussão que urge encetar, para que gradualmente se imponham boas práticas e mecanismos regulatórios formais e não formais que credibilizem e promovam a Arqueologia e as múltiplas disciplinas que nesta confluem. No geral, a professora catedrática Virgínia Dignum, em entrevista publicada pelo semanário Expresso (2025-01-17), estabeleceu uma poderosa analogia da área em que é especialista: a IA é hoje “um automóvel sem travões, guiado por uma pessoa sem carta de condução, numa rua sem sinais de trânsito”!
Se bem que abrangente e actual, esta não é, porém, a única frente de trabalho, reflexão e debate que marca a presente intervenção em Arqueologia e no Património Cultural, em geral. As mais de 200 páginas que se seguem documentam-no bem e espero que proporcionem boas leituras.
Jorge Raposo, 20 de Janeiro de 2024 [in Al-Madan Online, 28 (1): 3]