Polémica a partir do texto

SOARES, António M. Monge (2005) – Algumas Observações Sobre a Civitas de Pax Ivlia, ou de como, por vezes, não se deve confiar em levantamentos arqueológicos. Al-Madan. IIª Série. 13: 86-88.

Espaço aberto aos principais protagonistas e a outros depoimentos que se considerem relevantes para o presente debate, em complemento do Fórum Al-Madan, acessível a todos os que queiram manifestar a sua opinião.


 

Das opiniões em Arqueologia

 

 

A diatribe de António M. Monge Soares vinda a lume, com destaque, no número de 2005 da conceituada revista Al-madan, se outro mérito não tivera, veio permitir uma reflexão não sobre o coçado tema das "coutadas arqueológicas" hoje, de novo, tão na moda, mas sobre a importância da filosofia nas suas vertentes de pensamento lógico; de causa que gera (ou não) o desejado efeito; da relatividade do pensamento; e da ética.

Proporciona, por outro lado, uma reflexão – que não será de somenos – sobre o verdadeiro significado das palavras e a oportunidade de, a cada momento, saber que uma rosa é bonita mas… tem espinhos.

Quando, em 1988, Jorge de Alarcão publicou o seu Roman Portugal, comentei que se tratava de um livro destinado a ficar ultrapassado no momento em que via a luz do dia – uma frase que, amiúde, tenho repetido e que Jorge de Alarcão jamais levou a mal. É sempre assim, mesmo no dia-a-dia: só quando se juntam todas as crianças de uma visita de estudo é que se dá conta de que falta uma ou de que aquela perdeu o chapéu. Mas precisamos de as juntar! Assim com os dados arqueológicos.

Por outro lado, quando fiz a recensão crítica da obra Corpus Provincial de Inscripciones Latinas (Cáceres) [Conimbriga 17, 1978, 162-164], comentei, a dado passo: "Será este um dos principais pontos a corrigir: apresentar mais fotos, bem iluminadas, a preto e branco, de qualidade, sem qualquer avivamento". É que o autor, decerto por inadvertência, do vasto repositório de 824 monumentos epigráficos, ilustrara apenas seis (!), com várias fotos de cada, a cores, e, para que o texto se lesse, decidira gravá-lo, a caneta de feltro, por cima da própria foto!...

Sabe António M. Monge Soares que a caracterização o mais correcta possível de um elemento é fundamental para definir um conjunto. Sabe que, num cabaz de laranjas, uma que outra pode estar tocada – mas não é por isso que não aceita o cabaz, não é por isso que deixa de se deliciar com as laranjas sadias. Não toma por perigosos gigantes vistosos moinhos de vento!

E sabe que uma dissertação de doutoramento – acaba de defender a sua na Faculdade de Ciências do Mar e do Ambiente, da Universidade do Algarve – deve ter um fio condutor. Pode haver acidentes de percurso na caminhada – o que importa, porém, é que o objectivo seja atingido.

Assim, o livro da Doutora Maria da Conceição Lopes não é a carta arqueológica de Vila Verde de Ficalho. Aliás, recorde-se, foi feita uma carta arqueológica do concelho de Serpa [1] e Monge Soares até foi convidado a nela participar e teve a suprema amabilidade de nos fornecer elementos da sua investigação (Vila Verde de Ficalho sempre é a sua terra natal, caramba!). Também não é a carta arqueológica do distrito de Beja. Tem, de facto, anexo um Catálogo de Sítios (não dos Sítios), que, na sua caracterização possível, também serviram de apoio (é óbvio!) ao que se pretendia demonstrar: um estudo (pioneiro, diga-se!) sobre esse território na época romana. Aí se catalogam 632 sítios. A. M. Soares põe objecções – amiúde de pormenor "tem cedilha, não tem cedilha" – a três dezenas deles e escreve:

"Das 27 entradas do catálogo de sítios referentes à freguesia de Vila Verde de Ficalho, dez delas (com benevolência), isto é, cerca de 40%, contêm erros, alguns deles bastante grosseiros" [2].

E, logo no início do seu trabalho (4º parágrafo), afirmara:

"Embora a amostra aqui tratada, dos sítios constantes do Catálogo, seja diminuta, ela poderá, no entanto, ser considerada aleatória e, por conseguinte, representativa do inventário realizado".

Corri ao dicionário a ver se me escapara o sentido da palavra "aleatória" e confirmei que significa, fundamentalmente, ‘casual’, ‘fortuita’. Saída da pena de um investigador do Sector da Química e Radioisótopos do conceituado Instituto Tecnológico e Nuclear, fiquei a saber que, decerto, era assim que se devia trabalhar: pega-se numa amostra, mais ou menos ao acaso, analisa-se à exaustão e tiram-se daí conclusões. De facto, Monge Soares conclui, de seguida: "A ser assim, sérias reservas terão de ser colocadas acerca da totalidade do inventário". E, quase no final: "Perdeu-se uma excelente oportunidade de ficar disponível para a comunidade científica uma base de dados de sítios proto-históricos e romanos, na área da civitas de PAX IVLIA, que pudesse ser manejada com um mínimo de confiança".

Tem inteira razão, portanto, no seu raciocínio: "Se aqui, em Vila Verde de Ficalho, em que até fui eu que forneci as informações, o panorama é este… senhores, que será do resto? Deitem fora o livro!".

Pois que se deite! O segundo volume, só o segundo – que foi o que Monge Soares comentou e que, certamente, por grande brio profissional, irá, com muita urgência, substituir por um livro a sério, sem erros.

 

 Coimbra, 21 de Novembro de 2005

 

     José d’Encarnação

 

[1] Arqueologia do Concelho de Serpa, de Maria da Conceição Lopes, Pedro C. Carvalho e Sofia M. Gomes, Câmara Municipal de Serpa, 1998.

[2] Teve o Prof. Jorge de Alarcão ensejo de, nas páginas da revista Conimbriga (vol. XLIV, 2005, p. 301-317), comentar, uma a uma, essas observações.

 

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