Museus: ver, ouvir... sem sair de casa
por Mila Simões de Abreu [versão integral de texto publicado na rubrica "Escavando Online", in Al-Madan, IIª Série, n.º 18: 174-175]
“Existem muitos museus para o objecto. Este será para o homem”
[frase de abertura no site do Museu das Culturas “Dom Bosco”]
Missão Salesiana, Campo Grande, Mato Grosso do Sul, Brasil
Nos últimos anos muitos foram os museus que “abriram” na rede ou, por outras palavras, são cada vez mais os museus que, através das suas páginas web, nos dão a oportunidade de visitá-los sem nos termos de deslocar fisicamente até eles. O tradicional PC ou MAC, em conjunto com os novos iPad, os tablets e os chamados telemóveis “espertos” (smartphones), transformaram-se na porta de ingresso para visitarmos colecções e exposições em todo o Mundo e a lista de museus visitáveis on-line é enorme, como pode verificar-se “escavando” na página do Icom, o International Council of Museums e, em especial, na lista de museus por países.
É útil recordar que em muitos países as colecções relacionadas com a Arqueologia aparecem frequentemente integradas nos chamados museus genéricos, quer nacionais, como o Hermitage, na Rússia, o National Museum of India, em Nova Deli, o National Museum of Kenya ou Canadian Museum of Civilization, quer locais, como, por exemplo, o Museu de Londres ou o Field Museum, de Chicago, nos Estados Unidos.
Existem depois museus pertencente a instituições universitárias, como é o caso do Museum of Archaeology & Ethnology, da Simon Fraser University, no Canadá, o Peabody Museum de Antropologia e Etnologia da Universidade de Harvard, o Museum of Anthropology da Universidade de Missouri-Columbia, o MAA - Museu de Arqueologia e Antropologia da Universidade de Cambridge e o MAE - Museu de Arqueologia e Etnologia da Universidade de São Paulo, para citar alguns. Objectos, descobertas e estudos arqueológicos são também expostos em contextos ligados a outras áreas de saber, como a Antropologia e a Etnologia. Tal é o caso do Australian Museum, do Museo Nacional de Antropologia da cidade do México, do Musée d’Anthropologie Préhistorique do Monaco, ou do Ethnologisches Museum de Berlim.
Não é raro encontrar também espaços relacionados com a origem do Homem, em geral, ou com um determinado momento do passado em museus das áreas da Biologia e da Geologia, como o Smithsonian National Museum of Natural History, o Muséum National d’Histoire Naturelle, em Paris, ou o Naturalis Biodiversity Center.
Em muitos destes sites é possível fazer um tour “virtual” ao próprio museu. Normalmente trata-se apenas de imagens a 360º que mostram o espaço das exposições. É o que sucede no National Museum of Ireland, no Museo del Oro, Bogotá, Colômbia; no Museu Arqueológico de Amã, na Jordânia, no Museu da Lapinha, Lagoa Santa, Minas Gerais, Brasil, ou no nosso “velhinho” mas fundamental Museu Geológico do LNEG, em Lisboa. Muitos dos Museus do Brasil podem ser visitados seguindo os links da página Eravirtual Museus. Nas visitas virtuais vê-se muitas vezes todo o espaço expositivo, mas as imagens das peças perdem, por vezes, qualidade quando nos aproximamos a elas. Sem outras explicações para além das que se conseguem ver nas vitrinas, muitas vezes é só possível ter uma ideia do que lá está, sem grandes explicações.
Graças à Net, está hoje ao alcance dos nossos dedos consultar catálogos e procurar as peças, obras que interessam conhecer antes da visita, ou apreciar “a peça do mês”, como acontece no site do nosso Museu Nacional de Arqueologia. É uma forma de ir mostrando ao público o acervo. Consultar o catálogo de museus é especialmente importante para os investigadores, mas também para o público em geral, em especial no caso de Museus que se encontram fora das normais rotas turísticas mas possuem colecções importantes. Vejam-se o Hampson Virtual Museum Project, da Universidade de Arkansas, nos EUA, e o South Australian Museum, do outro lado do Mundo. Caso interessante é o do Museo Arqueológico Nacional, de Madrid, temporariamente fechado mas do qual é possível ver não só o catálogo das colecções, como um filme que mostra os trabalhos de modernização, onde se vêem os objectos a ser limpos, espaços em alteração e novas exposições em criação. Como se diz no filme do site, “alguma vez viste nascer um museu?”
As páginas de Internet dos Museus não são, porém, só outra forma de apresentar obras, artefactos ou colecções. Elas são uma nova realidade dos museus em todo o Mundo. O interesse neste aspecto da nova Museologia é tão importante que se organizam reuniões para especialistas, como é o caso dos congressos “Museums and the Web”, promovidos anualmente desde 1997 pela organização Archives & Museum Informatics, e dos International Cultural Heritage Informatics Meetings, cuja última edição decorreu em 2007. Existem também já inúmeros textos sobre o assunto. Veja-se a bibliografia online, com referências para mais de 1400 títulos, e a revista dedicada ao tema, com o título “Archives and Museum Informatics”.
A web fez nascer, porém, um verdadeiro novo tipo de museu – o museu virtual. Por definição, o Museu Virtual "não existe fora do ciberespaço", ou seja, não existe fisicamente em lugar algum. São os também chamados museus on-line, museus digitais ou mesmo hiper-museus. Georges Ricard, do The Virtual Egyptian Museum, do California Institute of World Archaeology, explica melhor do que ninguém as vantagens de um museu virtual. Elas vão da resolução de problemas com a iluminação até ao acesso às exposições e colecções 24 horas / sete dias por semana. Sobre o tema, vale a pena ler os textos publicados no volume Virtual Museums And Archaeology. The Contribution of the Italian National Research Council, editados por Paola Moscati e disponíveis on-line, assim como o artigo de Donald H. Sanders Virtual Archaeology And Museums: where are the exhibits?.
Graças ao financiamento do 7.º Quadro da União Europeia, foi criada a V-must ou rede transnacional de Museus virtuais (FP7 2007/2013 = 270404), que inclui a reconstrução 3D do sítio de Isa-beg’s tekija. Por vezes os museus virtuais não mostram as próprias peças mas sim locais, sítios ou áreas desenhados ou reconstruídos. É o caso da capela-tumba de Nebamun do Egipto, no Museu Britânico, em Londres, ou do MAV – Museo Archeologico Virtuale, que apresenta através de 3D e realidade virtual Pompeia, Herculano e Capri por volta do ano de 70. Muitos desses novos museus estão associados a museus tradicionais, como é o caso do Virtual Museum of New France, do Canadá, ou do tour das galerias do Egipto no Museu do Louvre.
Peças e documentos de outras áreas do Mundo podem ser visitados no China online Museum, ou na colecção do The Virtual Museum of Thanet's Archaeology, onde, querendo, se pode até “tomar” um chá virtual, uma maneira simpática de pedir comentários à visita. Um museu virtual curioso e interessante para os arqueólogos é o Virtual Museum of Surveying.
Ainda no início mas com vantagens potenciais para todos, como em muito do que o Google realiza, encontramos o “Art Project” do “Google Cultural Institute”. Actualmente dá acesso a mais de 20.000 imagens de arte e inclui fotos de peças de museus como o Museu de Israel em Jerusalem. Também o portal da Fundação Europeana, promovido pela União Europeia, agrega milhões de registos sobre o património cultural europeu, disponibilizados por mais de 2000 museus, bibliotecas, arquivos e outras instituições. A mesma Fundação desenvolve outros projectos específicos, entre os quais o 3D Icons, centrado na modelação digital de sítios e monumentos arqueológicos.
Outra experiência interessante é o On-line Museum, onde cada um de nós pode, para além de ver, acrescentar a suas próprias peças nas diversas galerias.
Mas o melhor site na Net entre todos os museus virtuais é, com uma certa ironia, de um dos países onde mais bens arqueológicos foram destruídos e roubados – o Iraque. O fantástico site do Museu Virtual do Iraque, realizado pelo Consiglio Nazionale delle Ricerche da Itália, dá muitas horas de prazer a quem o visitar.
E finalmente, para todos os que estão interessados nestes temas, não posso deixar de salientar os próximos encontros: primeiro na Grécia, em Delfos, o workshop international intitulado Virtual Archaeology: Museums & Cultural Tourism; depois, mais para o fim do ano, o congresso “Digital Heritage”, em Marselha, França.
Boas escavações virtuais!
Mila
Simões de Abreu (msabreu@utad.pt)
PS. Todas as moradas estavam activas em 30 de Outubro de 2013